A Música do South By Southwest 2024
Um pouquinho do que cruzou o nosso caminho em Austin desta vez!
Texto Gui Beck, Fotos Rafa beck
O SXSW, ou South by Southwest, maior Festival do Mundo voltado à inovação, encerrou sua edição de 2024 no mês passado. Estivemos em Austin, Texas, onde ele acontece anualmente e ao longo de 9 dias tivemos a oportunidade de estar presentes em premières mundiais de grandes filmes, assistir à palestras interessantíssimas e visitar exibições de artes gráficas e novas tecnologias, além de conferir de perto ativações super elaboradas de grandes marcas espalhadas pela cidade. Acima de qualquer coisa, no entanto, o carro chefe do Festival é o seu aspecto musical, pois o SXSW nasceu precisamente como um Festival de Música em 1987 e foi, ao longo dos anos, crescendo e incorporando outras modalidades.
O SXSW costuma durar 9 ou 10 dias e a música continua sendo a parte mais importante dele com mais de mil artistas do mundo inteiro se apresentando por mais de 70 palcos diferentes espalhados pela cidade, geralmente ao longo da semana final do Festival. Há palcos ao ar livre, montados pela organização do Festival mas a maioria das apresentações se dá em estabelecimentos comerciais. São bares, casas de show, hotéis e outros tipos de locais, distribuídos em sua maioria pela área central da cidade, sendo bem viável ir andando de um show à outro e conhecer, no mesmo dia ou noite, vários artistas novos, e ainda talvez conferir de perto algum artista que voce já queria ver faz tempo.
Obviamente é uma tarefa ingrata para quem tem qualquer tipo de TOC com incompletude, querendo dizer que é virtualmente impossível ver e estar presente em todos os shows e que a experiência do SXSW de uma pessoa pode ser 100 por cento diferente da experiência da outra. Mas o negócio é manter sob controle a ansiedade e o que a galera nos Estados Unidos chama de F.O.M.O., sigla para "Fear Of Missing Out" (uma expressão que define aquele medo de perder alguma coisa importante quando tem muita coisa legal acontecendo), relaxar e confiar nas suas escolhas, sabendo que na pior das hipóteses você vai sair do Festival conhecendo várias bandas novas e tendo um monte de história pra contar.
Sem mais delongas e em um formato bem direto, vamos então aos highlights do que foi a NOSSA experiência musical no SXSW 2024:
MARCELO D2
Marcelo D2 era com certeza o nome mais conhecido na pequena lista de 9 atrações brasileiras confirmadas no SXSW. Foi sua estréia no Festival e ele veio apresentar o conceito de "Novo Samba Tradicional" introduzido pelo seu último disco, "IBORU" de 2023. Muito apropriadamente, diga-se de passagem, em um Festival que preza justamente pelo valor à inovação. Eram duas apresentações oficiais programadas, uma de dia, em um dos salões do próprio centro de convenções de Austin e outra como parte de uma noite dedicada à artistas da América Latina, no tradicional Speakeasy, bar localizado na Avenida mais movimentada do centro da cidade. Sobre os shows de Marcelo D2 (e fomos aos dois), o que dizer? O cara já é uma instituição da música brasileira e destila brasilidade em cada sílaba da apresentação, que realmente tem muita cara de uma roda de samba pós-moderna. Muito orgulho de ver esse Brasil que chega na humildade mas com personalidade, sem se desculpar por ser o que é para os gringos. Tradicional e de olho no futuro. Fica só uma crítica aos responsáveis pelo agendamento do show no Speakeasy, que é um bar super simpático, com vários ambientes legais, mas que não comporta tanta gente assim na área onde foi o show de D2. O resultado: uma certa superlotação que deixou o ambiente um tanto menos que agradável e muita gente que fez fila do lado de fora mas mesmo assim não conseguiu entrar. Em um Festival com uma presença massiva de brasileiros entre o público, um número que só vem aumentando ano a ano, essa era uma "tragédia anunciada", e algo que eu só consigo atribuir a uma ignorância a respeito do porte do artista por parte da organização.
CHAII
Chaii foi uma artista que nos pegou completamente de surpresa. Não sabíamos nada a respeito dela, mas "esbarramos" por assim dizer em uma das suas apresentações, quando parávamos para recarregar as energias no Registration Lounge, espaço ao ar livre, destinado justamente à esse momento de descanso entre compromissos do Festival, com banheiros, bares e ativações de marcas mas também com um palco onde rolaram vários shows. A apresentação cheia de energia da Neozeolandesa, acompanhada de mais quatro músicos, nos fez parar (ou nos mexer, na verdade) e acabamos marcando de conversar com ela antes de outro show no dia seguinte em um bar chamado Lefty's, na zona leste da cidade. Chaii tem origem persa e coloca muito dessa herança cultural do Oriente Médio na mistura de seu som, que também tem elementos de Rap, R&B e música eletrônica. Na nossa conversa a artista nos contou que amaria vir ao Brasil, pois adora em especial os instrumentos percussivos da música brasleira, vê muitas semelhanças entre a sua herança cultural persa e a cultura brasileira e se identifica demais com a maneira como os brasileiros sabem dançar e fazer festa.
NONÔ
A brasileira Nonô estreiou oficialmente na música com 16 anos, na terceira temporada do programa The Voice Brasil, que foi ao ar em 2014, quando ela ainda se apresentava como Nonô Lellis. Depois disso se estabeleceu em Londres e começou uma carreira por lá cantando em inglês e apenas nos últimos anos passou a abraçar com mais força suas raízes e incorporar muito da música brasileira em suas composições. Agora, dez anos depois, Nonô veio pela primeira vez ao SXSW, onde foi a primeira brasileira convidada a participar do Acampamento de composição promovido pela ASCAP (American Society of Composers, Authors and Publishers), em um intercâmbio com artistas de outros 13 países, que durou 3 dias dentro do Festival. Assistimos ao show da Nonô em um lugar chamado Vaquero Taquero, que apesar de pequeno, ficou bem animado durante o show da brasileira e sua mistura de português, inglês, ritmos brasileiros e música eletrônica. A Nonô é fisicamente pequenininha mas fica gigante no palco e transborda energia. Mesmo acompanhada apenas de DJ na apresentação, soube cativar o público e no final do show estava só sorrisos.
BALTHVS
Já fazia algum tempo que o trio colombiano de funk psicodélico formado por Balthazar Aguirre, Johanna Mercuriana e Santiago Lizcano havia aparecido em nosso radar e no SXSW tivemos a oportunidade de ver de perto essa bela fusão de cúmbia, funk, indie rock, psicodelia e outras coisas mais. O show é do tipo que dá pra curtir fechando os olhos de vez em quando e se deixando balançar de leve e a gente teve a sorte de assistí-lo em um dos palcos de médio porte mais interessantes da cidade, um que ainda não conhecíamos, na área externa do bar Mohawk, que, além do espaço em frente ao palco em si, também tem um segundo andar de onde se tem uma ótima visão do show. Grande experiência.
CUMGIRL8
Na pré-seleção de bandas que chamaram a nossa atenção no meio das mais de 1000 atrações musicais anunciadas para o SXSW 2024 estava a Cumgirl8, uma banda pós-punk de Nova York muito peculiar, da qual já tínhamos ouvido falar mas nunca visto ao vivo, o que no caso dessa banda é algo tão essencial quanto a sua própria música. Um grupo só de mulheres formado em 2019 que começou como um coletivo de arte, com um discurso anti-capitalista e anti-patriarcal, e que de certa forma continua sendo pois além de música elas também se aventuram no cinema e na moda, entre outras coisas, além do quê seus shows ao vivo sao verdadeiras performances artísticas. No caso do show que vimos, em um bar dos mais legais, o histórico Hole in the Wall ("buraco na parede" em português), lugar bem despretensioso mas daqueles cheios de história, apesar de ter durado apenas cerca de 1 hora, foi daqueles shows com vários "momentos memoráveis", do tipo: uma delas em cima dos equipamentos de som, outra tocando deitada no palco e outra se aventurando no meio do público, esse tipo de coisa. O figurino das artistas: uma mistura de couro, vinil, lingerie, coturnos, salto alto e tênis. Tudo com muita cor e unificado por máscaras de tricô (ou seria crochê?) coloridíssimas.
Um detalhe importante sobre o show da Cumgirl8: não se tratava de um show oficial do SXSW. A banda, juntamente com cerca de outras 80 atrações musicais confirmadas, resolveram cancelar seus shows oficiais em protesto contra a entrada do Exército Americano e de algumas importantes empresas fornecedoras deste como patrocinadores do Festival, tudo por conta do papel do Exército e destas empresas no apoio à guerra de Israel contra o Hamas que segue fazendo milhares de vítimas inocentes na Faixa de Gaza. Tudo bem que foram apenas cerca de 80 cancelamentos de bandas relativamente novas ou não muito conhecidas do grande público entre as mais de 1000 atrações, mas ainda assim foi algo que deu para sentir bem no dia-a-dia da nossa rotina de shows em Austin. Por várias vezes tivemos que refazer planos e acabamos não vendo alguns dos shows programados por conta dos cancelamentos. O governador do Texas se pronunciou dizendo algo do tipo: "Já vão tarde!" e o SXSW se apressou em dizer que não compartilhavam dessa opinião e tal e que os músicos estavam no seu direito de protestar mas que a indústria de Defesa tem um papel histórico no surgimento de novas tecnologias e que preferem entender como sua abordagem vai impactar as vidas de todos. Enfim, ficou o justo protesto mas a maioria dos shows ainda aconteceram e a vida seguiu.
Obviamente, vimos muito mais do que isso por lá e deixamos de ver algumas centenas de outras coisas legais. Vou deixar aqui mais 4 menções honrosas de artistas que cruzaram o nosso caminho e que achamos que certamente valem uma conferida com mais atenção:
SWAMP DOGG
Lenda viva da chamada Swamp Music, um estilo que tem um pouco de R&B, Soul, Blues e Country Music. Vimos Swamp Dogg também no Mohawk e presenciamos a reverência das pessoas, em especial outros músicos, por aquele senhor baixinho de mais de 80 anos. Também no SXSW havia um documentário sobre o músico, chamado "Swamp Dogg gets his pool painted" tendo sua estréia mundial.
THE DINOSAUR'S SKIN
O duo pop de Taiwan denominado "The Dinosaur's Skin" foi outra surpresa das mais inusitadas. Trex e Triceratops se apresentam usando máscaras de, você adivinhou, um Tiranossauro Rex e um Triceratops e o fazem completamente investidos em convencer o público de que são mesmo os últimos dinossauros da Terra. Acompanhando os sobreviventes pré-históricos no show, feito de Indie Rock, Dream Pop e muita irreverência, ainda tinha um coelho baterista e um esquilo baixista, além de alguns fãs com suas próprias peles de dinossauro que foram convidados pra dançar no palco durante o nada menos que belo encerramento do show.
DUMB BUOYS FISHING CLUB
Um dos espaços temporários mais tradicionais dentro do SXSW, especificamente dedicado aos artistas britânicos, a British Music Embassy, que este ano mudou de local para um espaço maior no pátio do Hotel Sheraton, e uma das paradas obrigatórias enquanto se procura por bandas novas. Este ano a nossa "descoberta" por lá foi o duo de Londres que se apresenta desde 2023 como Dumb Buoys Fishing Club, na verdade um projeto paralelo, conceitual, dos músicos e produtores DanDlion e Havelock. São só eles dois no palco mesmo, com uma base gravada ao fundo, mas cantando com um entrosamento invejável, dançando e pulando o tempo todo e por vezes mesmo com coreografias bem irreverentes. O som deles é uma coisa que tem um pouco de Pharrel Willliams, um pouco de Justin Timberlake, um pouco de Gorillaz e especialmente na energia no palco e na harmonia das vozes, um tanto de Beastie Boys.
AKIRA GALAXY
Além do nome artístico dos mais legais da... galáxia (viram o que eu fiz aqui?), que, aliás é o seu nome de batismo mesmo, o que nos pegou nessa jovem cantora e instrumentista de Seattle foi a sua voz meio rouca, meio aveludada e toda uma atmosfera de sonho nas suas melodias, que casam demais de bem com a maneira como ela se movimenta no palco e se expressa com o corpo inteiro. A cover dela para "Teardrop" do Massive Attack (aquela que muita gente lembra por conta da abertura da série "House") ficou tocante e assombrosa em iguais níveis e foi um prazer ver esse som ser executado ao vivo, apenas com guitarra e bateria acompanhando de forma muito precisa a performance vocal e corporal da cantora.
Bom, é isso gente. Esse foi o pequeno resumo dos highlights musicais da nossa experiência musical no SXSW 2024. Ano que vem tem mais!